sábado, 12 de novembro de 2011

HISTÓRIAS DO CEARÁ...


COMPLEXO CULTURAL DRAGÃO DO MAR


Caros leitores, resolvi conhecer um pouco sobre a cultura e história deste estado, Ceará, que estou aprendendo a gostar, sobretudo Fortaleza, onde estou trabalhando, e, comecei pelo Centro Cultural Dragão do Mar. Um local de entretenimento, fantástico, onde a diversidade é a característica maior, e tive uma grande surpresa:

“Dragão do Mar” foi a expressão escolhida pelo o escritor e jornalista Aluísio de Azevedo para homenagear um trabalhador portuário de Fortaleza durante a campanha abolicionista. Seu nome era Francisco José do Nascimento, também conhecido por Chico da Matilde, morador das imediações onde hoje está o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. A área compreendia a Praia do Peixe e a Ladeira da Prainha. Até o final do século XIX, residiam no local pescadores e pequenos agricultores em choupanas, que garantiam sua sobrevivência pelo trabalho na pequena lavoura (roçado), pesca artesanal, coleta de frutos e outras atividades de subsistência. Em sua casa, no início da década de 1880, Francisco José do Nascimento escondeu escravos foragidos.




O nascimento
Francisco José do Nascimento nasceu no dia 15 de abril de 1839, na Praia de Canoa Quebrada, vila do Aracati. Parte de sua infância foi vivida ali, próximo ao antigo Porto das Barcas, às margens do Rio Jaguaribe. Mulato, filho do jangadeiro Manoel do Nascimento e de Maria Matilde da Conceição, o apelido Chico da Matilde surge como referência à figura da mãe. Aos oito anos de idade, foi trabalhar como “menino de recado” a bordo do vapor Tubarão. A atividade surge após a morte de seu pai no Amazonas, quando sua mãe, sem maiores condições, confiou a vida do filho ao Comendador José Raimundo de Carvalho, dono de barcos que atracavam no Porto do Aracati. Vivenciando desde cedo o cotidiano das atividades portuárias, Francisco do Nascimento logo conheceu a realidade do tráfico de escravos.


Libertação

As ações de Francisco José do Nascimento em prol da libertação dos escravos começaram no dia 30 de agosto de 1881, aos 42 anos de idade, quando liderou a paralisação dos condutores de pequenas embarcações na zona portuária de Fortaleza, com a ordem para que nenhum jangadeiro ou trabalhador do mar transportasse escravos entre o molhe (ponte de embarque) e os navios.
Durante o estopim da greve, Francisco José do Nascimento exercia a função de segundo-prático. Na atividade, orientava por meio de sinais os comandantes próximos à costa, evitando que encalhassem ou que colidissem seus navios. Além desse cargo, ele possuía duas jangadas, com as quais cobrava frete para embarcar e desembarcar pessoas e mercadorias entre o molhe de embarque e os vapores. Era também o encarregado das embarcações do Comendador Luís Ribeiro da Cunha, cargo que perdeu como conseqüência por liderar a paralisação. Logo após a demissão, os abolicionistas da “Sociedade Cearense Libertadora” o convidaram para participar da entidade.
Conta o historiador Pedro Alberto de Oliveira Silva que a Sociedade Cearense Libertadora estimulou os trabalhadores portuários de Fortaleza a realizarem as greves dos dias 27, 30 e 31 de janeiro, e do dia 30 de agosto de 1881. A primeira, ocorrida no início daquele ano, foi encabeçada por José Luís Napoleão, negro que comprou a própria alforria. Francisco José do Nascimento não teve envolvimento nessa paralisação.
No entanto, foi durante a sua participação no Congresso Abolicionista, realizado em Maranguape, no dia 26 de maio de 1881, que ele se sensibilizou com a causa pela libertação dos escravos. Semelhante às realidades de Sobral, Quixeramobim, S. Bernardo de Russas e Fortaleza, Maranguape esteve entre as cidades e vilas cearenses com maior número de escravos, em torno de 2.300. Sua economia se afirmava nos engenhos de cana-de-açúcar, somando-se às atividades predominantes na Província do Ceará, baseadas no cultivo do algodão e na pecuária
bovina
Eventos como a Congresso Abolicionista e as greves dos jangadeiros contribuíram para o crescimento da campanha abolicionista na Província do Ceará, com o aumento do número de alforrias entre os anos de 1881 e 1884. A fundação de núcleos abolicionistas em diversas vilas e cidades cearenses contribuiu para esse fim. Em Fortaleza, além da Sociedade Cearense Libertadora (1880), outras agremiações se empenharam no mesmo propósito, como a
“Perseverança e Porvir” (1879), o “Centro Abolicionista” (1883) e o grupo das “ Cearenses Libertadoras” (1884).
Entre seus participantes, as entidades abolicionistas congregaram mulheres, jovens, comerciantes, intelectuais, caixeiros, operários, pequenos agricultores, mestiços, negros libertos, autoridades públicas e outros segmentos sociais dedicados a atividades variadas, com o objetivo comum de libertar os escravos. Entre as ações, destacaram-se a arrecadação de donativos, os bingos, os discursos em praça pública, as quermesses, a facilitação da fuga e a criação de esconderijos para negros fugitivos. O prestígio dos abolicionistas cearenses cresceu a ponto de receberem a visita de José do Patrocínio, um dos líderes do movimento no Rio de Janeiro, em 30 de novembro de 1882. 

Alforria
No dia 1º de janeiro de 1883, na Vila do Acarape, atual município de Redenção, abolicionistas e vereadores da Câmara da localidade alforriaram todos os trabalhadores cativos. A partir desse momento, jornais cearenses da época, como o Libertador, Gazeta do Norte, Cearense, Pedro II e a Constituição, passaram a noticiar ações realizadas dia-a-dia por núcleos antiescravistas espalhados pela capital e interior. Um ano depois, em 25 de março de 1884, o Presidente da Província, Sátiro de Oliveira Dias, e os deputados da Assembléia Provincial do Ceará declararam libertos todos os escravos.
Após a abolição no Ceará, o movimento antiescravista local se prontificou a divulgar o acontecimento. Levar a notícia ao Imperador Pedro II seria um forte apelo em prol do fim da escravidão no Brasil. Para tanto, os abolicionistas cearenses resolveram que a jangada Liberdade de Francisco José do Nascimento seria conduzida até a Corte, no convés do vapor negreiro Espírito Santo. De Fortaleza, partiram rumo ao Rio de Janeiro, chegando ao destino em maio de 1884. Puxada a tração animal pelas ruas da cidade, a jangada Liberdade desfilou sob os aplausos de uma multidão e noticiada pelos jornais cariocas. Sobre ela, Francisco José do Nascimento foi homenageado. Diante da repercussão, o escritor e jornalista Aluísio de Azevedo o reverenciou como Dragão do Mar.

Medalha
Atendendo ao apelo dos cariocas, o Imperador recebeu Francisco José do Nascimento e outros abolicionistas cearenses. A Sociedade Abolicionista os condecorou com a sua medalha. Esses acontecimentos tiveram repercussão pelos jornais do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras, tendo contribuído para criar a imagem do jangadeiro antiescravista, o herói popular da abolição. A fama do Dragão do Mar correu o Brasil e algumas cidades do mundo durante os quatro anos que separaram a libertação dos escravos no Ceará e o 13 de maio de 1888, quando os escravos se tornaram livres por lei no Brasil.
A luta em prol da abolição da escravatura foi além do que se observou na campanha abolicionista. A formação de quilombos, as fugas, as emboscadas contra os capitães-do-mato, os levante nas senzalas, entre outras práticas, expressavam a vontade dos negros em conquistar a sua liberdade. Quanto à participação de Francisco José do Nascimento, deve se levar em conta o seu desejo e de outras pessoas pertencentes às camadas populares pelo fim da exploração dos cativos. Sua atitude fez a história dos jangadeiros abolicionistas e seu instrumento de resistência: a jangada atracada, sem embarcar escravos.

Abolição
Após a abolição dos cativos no Brasil, os negros libertos ficaram alheios às políticas públicas de inclusão social. Os ex-abolicionistas, ligados às elites, se ocuparam com outros movimentos da época, sobretudo, a implantação da República, proclamada no dia 15 de novembro de 1889. Por seu reconhecimento público, em 1890, Francisco José do Nascimento recebeu a patente de major-ajudante da Guarda Nacional, aparecendo em meio às agitações políticas e sociais de dois momentos no início do regime republicano.
No primeiro deles, ele foi simpático ao levante armado contra o chefe do governo no Ceará, Gal. Clarindo de Queirós, que resistia à sucessão entre os presidentes militares Deodoro da Fonseca e
Floriano Peixoto. Esse movimento teve o apoio de João Cordeiro (ex-abolicionista) e Nogueira Accioly. O incidente levantou suspeita em torno dos ideais de liberdade e justiça defendidos no passado pelo “Dragão do Mar”.
A segunda aparição pública de Francisco Nascimento ocorreu em 03 de janeiro de 1904, quando ele presenciou o Batalhão de Polícia atirar contra seus colegas do porto, os catraieiros, a mando do governador Pedro Borges, ligado à família Accioly. Favorável aos manifestantes, o “Dragão do Mar” condenou o alistamento forçado dos trabalhadores do porto à Marinha de Guerra.
Depois desses acontecimentos, Francisco José do Nascimento foi pouco lembrado. Ele ficou esquecido até o dia 05 de março de 1914, quando morreu. Os últimos momentos da vida do Dragão do Mar foram marcados por enfermidade e privações. Contudo, sua trajetória de vida o tornou um dos símbolos da resistência popular contra as injustiças sociais. A imagem do Dragão do Mar é um dos ícones do Patrimônio Cultural Cearense.

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